Sobre irmãos e estrelas
Alessandra da Silva Vieira
Era noite, e estavam a avó e o
netinho sentados na varanda, observando a beleza das estrelas.
– Vovó, conta aquela história? – disse
o menino com os olhos brilhando. Aos oito anos, ele adorava ouvir sua avó
contando histórias. Professora de português, ela conhecia muitos contos, mas “aquela
história”, a preferida do menino, era especial.
– Meu amorzinho, “aquela” de
novo... Diz para a vovó, porque você gosta tanto dela?
– Ah, vovó... Porque ela é tão linda...
E você também gosta tanto dela...
– É, meu filho... A vovó gosta muito dela, sim –
disse, deixando escapar uma lágrima – ela aconteceu com uma pessoa muito
especial para a vovó... E quando você crescer, se casar, tiver o seu filhinho,
você vai poder contar para ele, depois para o seu netinho...
E com um sorriso sonhador, sinal externo de
lembranças que não se apagam, a avó começou a contar:
“Naquela pequena cidade, havia dois irmãos, que
moravam com seus pais. O mais velho era um garoto cheio de sonhos, que
adorava ajudar o próximo, que sonhava com o dia em que as pessoas seriam
libertas da miséria, das doenças, e de tudo o mais que fizesse mal a elas.
Nesta época, havia no Brasil um
governo que fazia mal às pessoas, e que as proibia até de pensar. Este governo
ficou conhecido como ditadura militar, e alguns brasileiros se levantaram para
lutar contra ele, para tentar livrar o País daquela repressão.
Entre estas pessoas, estava ele, o
irmão mais velho. Ele lutava contra a ditadura, lutava pela liberdade do seu
País, e tinha um grande sonho. Ele gostaria de ser padre, pois assim poderia se
dedicar a combater as tristezas da vida, e lutar para construir um mundo melhor
para os seus irmãos, cumprindo o mandamento de Jesus: ‘Amai ao próximo como a
ti mesmo’.
O mais novo também era um garoto
cheio de sonhos, que admirava muito o irmão. Ele compartilhava dos ideais
políticos dele. Também militava contra a ditadura, e fundou o Partido dos
Trabalhadores, naquela pequena cidade, há muitos anos.
Ele se tornou professor, o melhor
de todos; aquele homem que mostra, no brilho do olhar, o quanto é feliz com a
profissão escolhida. Um professor que forma outros professores, e assim, num
ciclo, a cada dia ele abre a janela do conhecimento para seus irmãos e inunda a
vida das pessoas com a esperança de um mundo melhor.”
– Vovó, eu também quero ajudar as pessoas – disse
o menino, empolgado, como sempre ficava quando ouvia esta história da avó.
– Claro, meu amor, você é um
garoto maravilhoso, vai ajudar muito os nossos irmãos. Mas vamos continuar...
Você se lembra de que o moço mais velho queria ser padre?
– Lembro, sim, vovó...
E assim, a avó continuou a
história:
“Um dia, o mais velho foi para o
seminário, estudar para ser padre. Partiu em busca do seu sonho.
Sua mãe, à janela, ficou olhando
ele ir embora, e chorando, porque nunca tinha ficado longe do filho...
O coração das mães é igual em
todas elas. A mãe sabe que o filho cresceu, sabe que está buscando seus sonhos,
mas ela chora porque, dentro dela, fica aquela saudade de beijar o filho todas
as manhãs, quando ele sai para a escola, e depois esperar por ele para almoçar,
acompanhar suas atividades, até a hora de dormir, quando ela dá um beijo nele,
e diz: ‘dorme com Deus’. Dizem que ser mãe é se acostumar a ter o coração batendo
do lado de fora do corpo. E com a mãezinha dele, não foi diferente.
Apesar de saber que ele estava
indo realizar o sonho de sua vida, a mãe chorava muito, abraçada ao filho mais
novo. Neste abraço, o filho disse: ‘Mamãe, não chore. Eu estou aqui com a senhora.
’
E, divididos entre o orgulho do
garoto que ia ser padre, e a saudade que eles sentiriam enquanto ele estivesse
fora, mãe e filho se abraçaram, choraram e uniram seus corações ao do moço, em
uma prece para que Deus o abençoasse.
Mas a vida às vezes é um pouco
diferente do planejado...
Um dia, um acidente encerrou os
sonhos do garoto mais velho... Este acidente pôs fim à jornada dele na Terra, e
o levou para perto de Deus.
Durante o sepultamento, quando
seu corpo sem vida era levado à sua última morada, a mãe abraçou o filho mais
novo, e em prantos, disse: ‘meu filho, agora é só você aqui comigo’. E assim,
seus corações se uniram em uma prece a Deus, pedindo para que Ele recebesse o
irmão mais velho em Sua Glória, e agradecendo por terem conhecido um anjo.
E assim, o irmão mais velho foi
morar com Deus, e do Céu, ele olha para seus pais e para seu irmão.”
– Meu filho – disse a avó – o
mais novo tornou-se o guardador da história do irmão, e foi ele que a contou
para a vovó, há alguns anos.
– Vovó, esta é a história mais
bonita que eu já ouvi – disse o menino, com os olhos marejados.
E, em um abraço, avó e neto
olharam para o Céu, e viram que uma estrela estava brilhando mais do que as
outras. Era o irmão mais velho, que havia se tornado uma estrelinha, e agora
brilhava mais, pois tornava a viver no coração daquele garotinho, que ouvia,
comovido, a sua história.